Os painéis do Mestre da Lourinhã
Beatriz Ferreira e Daniela Sousa, 8.º C
A Santa Casa da Misericórdia da Lourinhã detém um rico espólio de pintura antiga, do qual se destacam as duas tábuas quinhentistas: São João Baptista no Deserto e São João Evangelista na Ilha de Patmos. Encontram-se, neste momento e até ao próximo dia 23 de Abril, no Museu Nacional de Arte Antiga, integrando a exposição Primitivos Portugueses (1450-1550). O Século de Nuno Gonçalves. O historiador de arte, Luís Reis-Santos, foi o primeiro a dedicar-se ao estudo destas pinturas, quando procurava obras de arte para figurarem na Grande Exposição do Mundo Português de 1940. E foi ele que atribuiu o nome de conveniência de Mestre da Lourinhã, dado se desconhecer o nome do autor. Estas obras foram encomendadas pela rainha D. Maria, segunda mulher do rei D. Manuel, para a capela-mor da igreja do mosteiro da ordem de S. Jerónimo, na ilha da Berlenga. A sua edificação, por iniciativa da soberana, foi autorizada pelo papa Leão X, em 1513. A rainha era muito devota deste santo e pretendia um mosteiro naquele local para dar apoio espiritual aos navegantes que passavam pela costa de Peniche. Devido ao isolamento e à insegurança deste sítio, os monges foram transferidos para um novo mosteiro, erguido com essa finalidade em Valbemfeito (Óbidos), por iniciativa de rainha D. Catarina de Áustria, mulher de D. João III e cuja construção foi iniciada em 1535. Quando em 1834 as ordens religiosas foram extintas, estas e outras pinturas vieram para a Santa Casa da Lourinhã a pedido do seu provedor. Segundo Vitor Serrão e Manuel Batoréo, é possível que o Mestre da Lourinhã tenha sido Álvaro Pires, pintor e iluminador da corte dos reis D. Manuel e D. João III, falecido em 1539. As obras do Mestre da Lourinhã, de inspiração flamenga, fazem a transição entre o Gótico final e o Renascimento. Com efeito, a pintura renascentista desenvolveu-se principalmente na Flandres e também em Itália, onde ocorreram duas invenções revolucionárias: a pintura a óleo (cujo inventor foi Van Eyck) e a utilização da perspectiva. A preocupação com o equilíbrio da composição, leva muitos artistas a utilizar a composição em pirâmide por ser mais simples e equilibrada. Outra característica fundamental é o naturalismo: os pintores procuravam representar os animais, as pessoas, as paisagens, as coisas na sua forma natural.
S. João Baptista no Deserto
São João Baptista é considerado o último dos profetas antes da vinda de Cristo e é também o primeiro santo do Novo Testamento. Foi João que anunciou a vinda do Messias e o reconheceu em Jesus Cristo. Quando jovem, João Baptista retirou-se para o deserto para levar uma vida de meditação e penitência. Só comia gafanhotos e mel selvagem e usava um traje feito de pele de camelo. De acordo com o Evangelho de S. Lucas, João deixou o deserto no dia da sua apresentação em Israel e começou a pregar e a baptizar nas margens do rio Jordão, tendo baptizado Jesus Cristo. S. João Baptista tornou-se no primeiro mártir do Novo Testamento, ao ser decapitado a pedido de Salomé, filha adoptiva do rei Herodes. No quadro São João Baptista no Deserto, a figura do precursor aparece em primeiro plano, destacado sobre o fundo da paisagem. As tonalidades das cores que se vão desvanecendo para azuis cada vez mais claros, dão a impressão do longínquo, onde começa o céu e acentuam a noção de profundidade ao quadro. São João Baptista está sentado com o livro da Antiga Lei aberto nas suas mãos e está a lê-lo. No colo do santo está uma ramagem, que se pode identificar como sendo uma haste de roseira, cujos picos fazem recordar os pecados cometidos pelo homem, e que com a ajuda da palavra do Senhor (representado pelo livro da Santa Lei) serão perdoados ao homem. O cordeiro deitado a seus pés simboliza «O Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo» do Evangelho de S. João, cordeiro este que aparece muitas vezes junto a São João Baptista. (Jo. 1, 29-30). Este apresenta ainda uma auréola irradiada e os traços bem marcados do rosto contribuem para uma caracterização de uma personagem que se prepara para falar aos homens e cumprir o desígnio de espalhar a Boa Nova, como afirma Manuel Batoréo.
S. João Evangelista na Ilha de Patmos
S. João Evangelista foi Apóstolo e autor do quarto Evangelho e do Livro do Apocalipse. Era filho de Zebedeu, e foi um dos primeiros doze discípulos de Jesus. Ele e o seu irmão Tiago foram chamados por Jesus (para serem seus discípulos) quando estavam num barco, a consertar redes de pesca. João esteve presente em muitos episódios da vida adulta de Cristo, como por exemplo quando se sentou ao lado dele na última Ceia e foi o único apóstolo a estar presente na Crucificação, amparando a Virgem Maria aos pés da cruz. O cenário evoca Patmos, uma ilha minúscula do mar Egeu, para onde fora exilado pelo Imperador Dominicano, sob a acusação de prática de magia. Era acusado ainda de continuar a pregar, mesmo depois de ter sido submetido a um martírio em Roma, na Porta Latina, onde foi mergulhado num caldeirão com óleo a ferver, tendo saído ileso. A cena do martírio aparece no quadro, ao fundo na entrada da povoação. S. João Evangelista enverga uma túnica vermelha que se desdobra num generoso pregueado, bem marcado nas dobras. O vermelho da veste envolve uma simbologia que para além de estar ligado ao sentido de poder, neste caso terá a ver com a cor da ciência e do conhecimento esotérico. Uma águia de grande envergadura, segurando no bico um tinteiro, está em frente ao Evangelista e é o seu símbolo tradicional, de acordo com Ezequiel. As referências à vida e actividade do santo podem ser encontradas, também, nos dois livros que se encontram a seus pés. Um desses livros está fechado numa capa com atilho, podendo evocar a Antiga Lei, agora substituída pela palavra de Cristo – o Evangelho – inscrita no outro livro, significativamente encadernado de vermelho. O velho livro da Antiga Lei está atado e fechado numa cobertura branca, cor da pureza primordial, própria dos Anjos e dos Eleitos. As folhas estão revestidas a ouro, metal precioso, símbolo da luz mais pura e do elemento em que Deus vive. No meio do rio vemos quatro embarcações cujo significado não se conseguiu determinar, mas deve-se salientar a precisão, própria de um miniaturista, como eram os iluminadores. Na margem do rio, à direita, ergue-se uma azenha, pintada com o estilo e o pormenor próprio das oficinas flamengas do século XV. As pinturas do Mestre da Lourinhã são consideradas da melhor pintura da época no país e merecem ser conhecidas por todos nós.
Alunas do 8.º C, EB de Ribamar, disciplinas de História e Área de Projecto
(artigo publicado no jornal Alvorada, em 1-04-2011)
Bibliografia:
BATORÉO, Manuel, Pintura Portuguesa do Renascimento, Mestre da Lourinhã, Lisboa, Ed. Caleidoscópio, 2004.
CIPRIANO, Rui Marques, Vamos Falar da Lourinhã, Lourinhã, Ed. Câmara Municipal da Lourinhã, [2001].
LODWICK, Marcus, Guia do Apreciador de Pintura, Lisboa, Ed. Estampa, 2003, pp.166-169.
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